quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Quando ganhaste um rosto

Não foi no dia da reunião em que nos apresentaram o processo do nosso filho que dissemos que sim. Não foi. 

Ninguém é obrigado a ter ali uma resposta e uma decisão prontas. Há quem possa ter, mas nós decidimos a sós vir para casa falar sobre toda a informação que nos tinha sido facultada.

Precisávamos de organizar o coração, precisávamos de partilhar intimamente e sem espetadores os nossos receios, pôr o coração a falar, porque o que está ali é demasiado importante. Demasiado valioso. É uma história, é uma vida, são todas as fragilidades, dificuldades, tudo o que levou uma criança até ali e tudo o que já se traduziu na sua esfera psíquica, física e emocional.

E esse tempo foi-nos dado, embora a decisão tivesse de ser rápida. Tínhamos o direito de recusar, desde que a nossa justificação para o fazer tivesse sustentação. Faz sentido.

Por isso também não foi nesse dia que lhe conhecemos o rosto. O que também faz sentido. Ninguém escolhe um filho por catálogo.

Não foi preciso esgotar o prazo que nos foi dado. A decisão estava tomada, nós queríamos aquele filho, sem mais hesitações. Por decisão pessoal optámos por guardar quase tudo quanto sabemos acerca do nosso filho só para ele. É a sua história. É a ele que lhe pertence e a mais ninguém. Ele tem esse direito, de ser o primeiro a sabê-la depois dos pais. Por isso, apenas partilhámos com amigos, família o que achámos que deveria ser contado a fim de responder à curiosidade natural que qualquer pessoa tem num processo desta natureza. Informação sim, mas quanto baste. Há informação que não aquece nem arrefece terceiros. 

No dia em que o P. ligou a dar a resposta, voltaram a questionar. Têm mesmo a certeza que querem este menino? Sim, temos. Há quem fale de experiências pouco positivas e pouco profissionais com as equipas de adoção. Nós não temos qualquer razão de queixa. Sempre foram de uma grande retidão para connosco. Nunca ninguém nos tentou impingir nada. Nunca ninguém nos tentou mudar as nossas escolhas. Conselhos, foram vários os que nos deram e em posse dos mesmos alterámos ou não decisões iniciais. A equipa foi e tem sido sempre impecável e disponível para nos ajudar.

No dia em que dissemos que sim recebemos por e-mail 3 fotos do nosso petiz.

Ambos estávamos a trabalhar quando as fotos caíram na caixa do correio.

O P. já me tinha ligado anteriormente a dizer que já tinha contactado a equipa a informar da nossa decisão e que no fim do telefonema lhe tinham dito: "P. vamos já enviar para si e para a Luarte as fotos que temos do vosso filho”.

Eu fiquei logo com o coração a bater a mil.

Ouvi o som da notificação no smartphone e acho que o meu coração ia saltando da boca. Não podia abrir ali. Tinha de aguardar até ter um intervalinho para ver sozinha o meu filho.
Entretanto, toca o telemóvel e é o P.

- Já mandaram as fotos. Já viste?
- Não! Mas já sei que as tenho no e-mail. E então? (toda eu sou uma fogueira em combustão)
- Tem ar de esperto e de reguila. É bonito (sinto-o mesmo feliz e a sorrir).

Mais uns minutos que parecem uma eternidade. Finalmente consigo ir ao w.c. e toda a tremer abro o email. Abro as fotos. Dou um suspiro profundo e longo. Tão longo. O meu coração serena e os meus olhos ficam cheios de água. Aguento-me. És doce. Tens olhos grandes. És lindo. És meu.

Volto para dentro. Não tenho cabeça para trabalhar. Tu ganhaste um rosto. O meu filho já tem rosto.

No intervalo do almoço, já dentro do carro, descomprimo. Choro. Soluço. Ligo ao P. Estou tão feliz. Estamos tão felizes e tão expectantes. Digo-lhe que o acho parecido com o pai, ao que o pai me responde: "A sério? É que eu também acho que ele é parecido comigo, mas eu sou suspeito".

Nesse dia eu vi-te vezes sem conta. Fechava e abria as fotos. Foram tantas, mas tantas as vezes. Sempre com os olhos cheios de água, de palavras guardadas de um sentimento calado. Tu existias. Tu tinhas um rosto. Tu. Meu Amor.

20 comentários:


  1. estou toda arrepiada... Obrigada Luarte por estas partilhas deliciosas!! ♥

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  2. Adorei, parabéns pela partilha beijinhos

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  3. Não consigo imaginar o nascimento de um filho mais bonito do que este...Lindo!

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  4. ♥ Que linda história de amor está a ser contada, e melhor de tudo, é real!
    Muitas felicidades! ♥

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    1. E o melhor de tudo é que a vivi e sinto-me tão grata por isso.
      Beijinhos, nat.

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  5. Que Amor Lindo!
    FELICIDADE,MUITA,para TODOS!
    Maria

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  6. Dizem por aí que adotar é um ato de coragem. Para mim é um ato de Amor. Obrigada pela partilha. Muitas felicidades .

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    1. A propósito da coragem para adotar, há umas publicações atrás eu escrevi a minha opinião.
      Beijinhos, Susana.

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  7. Não imaginas o quanto me tocam estas tuas palavras! Muito obrigada por partilhares aqui a tua história, Muito obrigada por trazeres tanta esperança e fé!
    Beijinho enorme**

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  8. Lágrimas nos olhos :) A tua gravidez foi tal qual a minha... o bebé na barriga é um pormenor, comparado com o amor entre mae/pai e filho... isso é o que importa :)

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  9. Não tenho palavras. Muitos parabéns. Pela gravidez rápida e pelo nascimento de vocês como pais e do vosso piolho como filho. Que sejam sempre muito felizes.

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    1. Não foi gravidez rápida. Durou 5 anos, mas chegou a termo :)
      Beijinhos e tudo de bom para ti e para as tuas piolhas ❤

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    2. Expressei-me mal. Queria dizer rápida desde que vos contactaram. A espera pode surgir em qualquer gravidez ;) mas, desde o telefonema até ao chegarem a casa a 3, parece tudo ter sido a mil, nem imagino a montanha de emoções que todos devem ter sentido.
      Uma beijoca gigante para todos e festinhas à Cereja - qu etambém deve ter ficado elétrica :)

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