Estudos atuais têm demonstrado que aproximadamente 20% dos casais, ou
seja, um em cada cinco casais, apresentam problemas de infertilidade.
Ora na roleta da sorte haveria de me calhar na rifa fazer parte dos tais 20%. Só não acerto no euromilhões porque não jogo ;)
Foi há 2 anos que escrevi e partilhei
aqui a minha história com a endometriose.
Nestes 7 anos de diagnóstico a
endometriose ensinou-me imenso. Ensinou-me a dar mais valor a umas coisas e a relativizar
outras. Ensinou-me a cuidar muito mais da minha saúde e de tudo o que tenho e
prezo. Ensinou-me a ter mais coragem do que medo. Ensinou-me a ser mais forte.
Antes mesmo de planear ter
filhos, a minha endometriose profunda trouxe-me a experiência da infertilidade
na primeira pessoa.
Não sei o que é tentar engravidar
e não conseguir. Só conheço a experiência contrária. A de passar a saber que
tenho dificuldades reais, que uma gravidez espontânea estaria fora de questão, e a de reunir todos os
esforços para conseguir ultrapassar essas barreiras naturais.
E foi assim que entrámos no universo dos tratamentos de
infertilidade, antecipando o projeto de sermos pais. A verdade é que ninguém sabe quanto deseja ter um filho até ser confrontado com a impossibilidade de o ter. Nessa altura os meus planos, as conversas, a minha cabeça passaram a girar obsessivamente
à volta do mesmo. Ter filhos passou a ser a coisa mais importante, a minha prioridade, o meu foco. A minha vida ficou suspensa, a flutuar como
aquelas bolas gigantes de sabão.
Agora a uma certa distância desse
período da minha vida, já com outra visão sobre os acontecimentos, a sensação
que tenho é que foram 4 anos em que perdi o norte, andei à deriva.
Fui prisioneira
de sentimentos que me controlaram. Fui cativa de muitas horas e dias de angústia, tristeza
e desilusão. Não fui boa pessoa em muitos momentos. Senti-me incompreendida, fui egoísta, egocêntrica. Cheguei a ser dramática. Porquê eu? Como se o universo conspirasse contra mim. Passou a ser difícil sentir alegria
genuína e autêntica quando recebia a notícia de mais uma gravidez de uma amiga,
familiar, conhecida… havia sempre um misto de frustração à
mistura, ainda que desejasse tudo de bom a essa pessoa. Não me identifico com aquela que fui nesses momentos. Foi uma fase difícil, feita de esperanças a cada
novo tratamento, de grande desgaste físico e psicológico, de várias derrotas. Foi penoso e violento. Só quem passa por aqui sabe realmente do que falo. Os restantes poderão imaginar...
Para lá de tudo isso, existiam
questões de saúde. Depois de tudo o que já me aconteceu, agradeço com genuína
alegria a oportunidade do milagre que é estar cá a viver esta experiência
absolutamente incrível que é existir. Prezo muito a minha saúde, a minha vida acima de tudo.
A tristeza de não conseguir engravidar foi-se pouco tempo depois de eu e o P. decidirmos não avançar para mais nenhum tratamento de
infertilidade, assumindo as consequências evidentes dessa opção. Não voltar aos
tratamentos seria fechar qualquer possibilidade de sermos pais biológicos.
Poderia ficar pendurada na eterna dúvida, então e se tivesse tentado pelo menos mais uma vez, talvez, se calhar... É difícil não nos deixarmos engolir pela espiral de acontecimentos e sentimentos que vivemos na fase em que nos entregamos a isto. Facilmente caímos num ciclo vicioso. Mas não, não vivo nessa dúvida. Não me arrependo dessa escolha que fizemos há 3 anos.
Hoje digo, sem
remorsos ou culpas, que esta decisão acabou por ser uma libertação.
Um alívio para bem da minha saúde, do meu espírito, da minha sanidade mental. Quero muito ser mãe, mas não quero ser mãe a qualquer preço.
Pegando num excerto de um poema
de José Régio sinto que… a minha vida é um vendaval que se soltou/ é uma onda
que se alevantou/ é um átomo a mais que se animou… /não sei por onde vou, não
sei para onde vou – sei que não vou por aí!
Reconciliei-me essencialmente
comigo. Precisava disso, de voltar a mim, de me voltar a sintonizar com a vida
e com a pessoa que sou.
Porque sei que sou realmente feliz com a vida
que tenho. Gosto da vida que tenho com a infertilidade lá dentro e com tudo a
que tenho direito. A minha vida enche-me e preenche-me. Por isso nunca a senti
vazia, nunca senti esta casa vazia. Não sei se serei mais feliz tendo um filho,
mas sei que a minha felicidade não depende disso. Não me sinto incompleta. Não me sinto beliscada na minha condição de mulher.
A infertilidade não é um
drama. As coisas só são aquilo que nós deixamos que elas sejam.
Não me destruiu sonhos, apenas me alterou ligeiramente os planos porque a minha vontade de ter filhos, de ser
mãe não desapareceu. Não desisti. Não desistimos. Mas hoje, mais madura e auto-consciente das minhas escolhas, sinto-me tranquila, serena e sem pressas, como sempre imaginei que tudo isto deveria ser.
Hoje sei que nada é por acaso.
Nada. Nada do que nos acontece, acontece sem motivo. Por isso, gosto de pensar que os planos que a vida tem para mim são maiores do que os meus sonhos.
Não sei se alguma vez sentiria o desejo maior de adotar se a infertilidade não me tivesse
batido à porta. Não sei responder...
Mas hoje sei que quero
muito ser mãe de coração. Adotar não é a minha segunda opção, é a minha opção.
A opção que escolhi, aquela que tantas vezes me faz esquecer do motivo que me trouxe até aqui.
A minha barriga há muito que mora
no meu coração em perpétuo batimento.
Tum tum, tum tum, tum tum. É a voz, é o som, é a música do amor.
Porque é amor, tudo quanto tenho para dar a esse filho que um dia há de chegar.